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Humberto Gessinger e suas críticas ao consumismo

Data da Noticia 18/08/2016

Humberto Gessinger é um letrista ímpar, sempre fazendo belas composições, costuma brincar muito bem com as colocações e os aspectos frasais de suas letras, formulando assim, questões que precisam de alguma reflexão para serem compreendidas, e muitas frases do mesmo por serem ambíguas, carregam diversos sentidos.

Este artista costuma criticar de forma muito eminente o capitalismo que estamos inseridos. Basta ouvir algumas canções para perceber as críticas escancaradas ao sistema. Percebemos isto logo na primeira música do primeiro disco da banda (Longe Demais das Capitais -1986), a primeira crítica ao sistema que estava se inserindo no pais naquela época. “Toda Forma de Poder” contextualiza o período ditatorial que o Brasil havia passado e compara com o capitalismo para dizer que “toda forma de poder é uma forma de morrer por nada”. Ainda temos elementos que remetem ao e comunismo e fascismo na letra. Talvez Humberto tenha passado por um momento de descrença, devido ao cenário político daquela época. Vemos isto em boa parte de suas músicas, como “Desde Quando?” (1988), a minha preferida da banda “A Violência Travestida Faz Seu Trottoir” (1990), “A Perigo” (1995), “Surfando Karmas & DNA” (2002), dentre tantas outras letras. Porém a que iremos analisar hoje chama-se “3° do Plural”, segunda faixa do álbum “Surfando Karmas & DNA” de 2002.

Gessinger assistia uma corrida de formula 1 quando compôs esta letra e também “Outras Frequências” (presente no Acústico MTV de 2005). É Importante refletir sobre o próprio título da canção, “3° do Plural” faz referência à terceira pessoa do plural, que na conjugação verbal da língua brasileira, seria “eles”. No decorrer da letra, notamos diversas vezes esta conjugação, que marca uma ideia de impessoalidade e indeterminismo. No entanto, podemos perceber que a palavra “eles” é uma referência aos “grandes ocultos” classe dominante, que está longe do compositor, como grandes empresas, grandes marcas e demais instituições que não fazem parte da classe operária brasileira. Vamos à análise:

 

Corrida pra vender cigarro  

Cigarro pra vender remédio  

Remédio pra curar a tosse  

Tossir, cuspir, jogar pra fora.

 

Corrida pra vender os carros  

Pneu, cerveja e gasolina  

Cabeça pra usar boné  

E professar a fé de quem patrocina.

A música inicia mostrando uma sequência lógica de publicidade explícita dentro de uma corrida de carros, a palavra “corrida”, aqui é expressa nessa música com um sentido polissêmico, pois demonstra a própria corrida de automóveis, e seus respectivos patrocinadores, mas também demonstra uma corrida em busca de capital, ou o próprio lucro, através da divulgação que a mídia traz neste meio de comunicação visual. O resultado disso é uma série de efeitos que acarretam uma cadeia de consumismo, para que um produto colabore na comercialização do outro, e assim por diante, como a Teoria Dominó de John Foster Dulles, onde uma peça derruba a outra, ou seja, uma peça precisa da outra para cair, e assim vão sucessivamente fazendo com que um sistema organizado vá tomando seu rumo projetado.

É persistente a questão do boné, que demonstra uma imagem de cobrir a cabeça/pensamento do público alvo, com a finalidade de professar os ideais de determinadas marcas. Um detalhe que esta música é de 2002, e nos dias atuais essa ideia é muito presente na imagem das culturas da ostentação que presenciamos muito na mídia.

 

Eles querem te vender  

Eles querem te comprar  

Querem te matar (de rir)  

Querem te fazer chorar

Compreende-se então, que o consumidor, em verdade, nada mais é do que um produto de consumo, assim como tudo o que ele consome. Na frase “eles querem te vender”, existe uma dualidade de significado muito forte, ou seja, “eles” desejam vender a você, porém ao mesmo tempo desejam vender você, como um produto. A música trata o consumidor como uma moeda de troca.

Em uma explicação mais simples da canção, é como se as grandes empresas vendessem os consumidores, já que dentro desta lógica, vende-se o cigarro, que irá causar problemas à saúde, logo, o consumidor precisará de um remédio, e assim, segue-se o ciclo vicioso de vendas. Então, não são os consumidores que compram os produtos, mas os produtores que compram seus consumidores.

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?  

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?

 

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?  

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?

Com o objetivo de nos fazer refletir, questionar e investigar estes fatos, Gessinger nos pergunta: Quem são eles?/Quem eles pensam que são?

Me parece claro o intuito deste questionamento, o autor pretende nos intrigar, com a finalidade de tirar o público alvo da zona de conforto, perceber a alienação presente no Estado em que estamos inseridos, Humberto desperta a criticidade em seus ouvintes.

 

Corrida contra o relógio  

Silicone contra a gravidade  

Dedo no gatilho, velocidade  

Quem mente antes diz a verdade

 

Satisfação garantida  

Obsolescência programada  

Eles ganham a corrida  

Antes mesmo da largada

“Corrida contra o relógio” é uma referência a expressão criada por Charles Chaplin na obra Tempos Modernos (1936), já que o controle do tempo é fundamental para o aumento da produtividade. Os valores estéticos também estão presentes, de uma maneira sarcástica, tentando demonstrar que a própria sociedade está condicionada a comprar beleza, que aqui é expressa na forma de silicones.

A Obsolescência programada nada mais é do que a decisão do produtor de fazer um produto que tenha uma certa vida útil, e que seja descartável a partir de certo ponto, para que o consumidor compre algo melhor e mais moderno em seguida, fazendo com que o mercado obtenha mais lucros de tempos em tempo. Por isso Gessinger diz que os grandes ocultos ganham a corrida antes da largada, pois sabem exatamente o momento e que o consumidor irá partir para novos produtos, já que a vida útil do antigo acabou.

Eles querem te vender  

Eles querem te comprar  

Querem te matar (a sede)  

Eles querem te sedar

Dentro de nossa sociedade, pagamos até pela água que bebemos, ou seja, estes “grandes ocultos” pretendem satisfazer desde as necessidades mais básicas, até as mais delirantes, quando o consumidor precisa ser sedado.

A palavra sedar pode ser compreendida também como uma imposição ao consumidor, que é tratado como um produto, como um robô, ou como gado, fica sem reação ao presenciar a chegada de novidades.

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?  

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?  

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?

 

Vender, comprar, vendar os olhos  

Jogar a rede... contra a parede  

Querem te deixar com sede  

Não querem te deixar pensar

O compositor deixa exposta a ideia de que o consumidor fica cego dentro da nossa sociedade, pois não veem que são induzidos sem pensar a uma rede de consumismo que promete a felicidade e satisfação com a compra de novos produtos a serem consumidos e depois descartados.

Obviamente se tem uma crítica educacional aqui, pois se o governo não dá condições para seu povo educar-se de uma maneira a ter um pensamento crítico, logo está apoiando esta cadeia de consumismo e ignorância que vivemos.

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?  

Quem são eles?  

Quem eles pensam que são?

Quem são eles?

 

Humberto Gessinger nos da uma pequena amostra da sua capacidade crítica de problematizar o que não lhe é agradável. Infelizmente é muito difícil encontrar este tipo de crítica em músicas que permeiam a mídia que consumimos. Talvez para que estes questionamentos não sejam feitos, para que sejamos conduzidos como gado ao abate, sem que saibamos o rumo que a sociedade está tomando.

 

João Dalbosco. 23 anos, estudante de história, músico e amante da literatura.



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  • Autor: João Dalbosco
  • Imagens: Internet

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