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Nas entrelinhas de Camila

Data da Noticia 19/07/2016

É muito interessante entender o real significado por trás das letras de cada música, compreender a mensagem que o autor tenta passar. Um exercício muito prazeroso, mas que nem todos costumam fazer.

Então, na intenção de compreender certas letras, que hoje analisaremos a música “Camila Camila” da banda Nenhum de Nós. Música composta por Thedy Corrêa, Sadi Homrich e Carlos Stein, foi gravada em 1987, no álbum homônimo ao nome da banda, certamente é o maior sucesso do grupo.

A música tem história: é a primeira música nacional a falar da violência contra a mulher. Escrita a partir de fatos reais, e trata de uma colega de escola dos integrantes da banda, bastante bonita e que tinha um namorado extremamente violento. A menina não se chama Camila, este nome foi inspirado no filme de 1984 chamado “Camila”, dirigido por María Luisa Bemberg, o nome foi utilizado para preservar a identidade da mesma.

Em um tempo em que músicas brasileiras estimulam o sexismo, e deturpam a imagem da mulher, o vocalista Thedy Correa lamenta estes temas, e ressalta que a arte deveria conscientizar a população sobre a violência sexual. Nas palavras do mesmo:

É triste constatar que a música brasileira de hoje não ajuda. (...) assistimos estarrecidos ao avanço de estilos e temáticas que pouco têm ajudado na conscientização do problema. (...) Isso é um retrocesso. Triste, mas é verdade…

 

            A análise da música nos traz informações importantes, como podemos verificar:

Depois da última noite de festa  

Chorando e esperando amanhecer, amanhecer  

As coisas aconteciam com alguma explicação  

Com alguma explicação

A música começa de forma triste, com algo que fez “Camila” chorar. Ela sabia que iria sofrer abusos, e por isso sofria quieta aguardando a noite acabar. É comum que as mulheres agredidas, por diversos motivos tentem justificar o ocorrido, procurando “alguma explicação”.

Depois da última noite de chuva  

Chorando e esperando amanhecer, amanhecer  

Às vezes peço a ele que vá embora  

Que vá embora

O desespero é evidente, e ele fica aqui na frase que a menina pede ao agressor que vá embora, que a deixe.

Camila, Camila, Camila...

A repetição do nome no refrão, é a parte mais emblemática da música. É um grito de desespero, de maneira a tentar pedir ajuda, acordar, ou libertar a pessoa que está subconscientemente adormecida dentro de um corpo condicionado à submissão de um relacionamento falido.

Eu que tenho medo até de suas mãos  

Mas o ódio cega e você não percebe  

Mas o ódio cega

 

E eu que tenho medo até do seu olhar  

Mas o ódio cega e você não percebe  

Mas o ódio cega

Existe aqui uma mescla de sentimentos sombrios, de ódio e medo. A vítima, que se destaca como o eu lírico da canção, intimidava-se até com o olhar do agressor. As frases soltas da música não deixam claro quem sentia ódio dentro da relação, se eram ambos, ou somente um deles. A influência de Thomas Fuller neste trecho é evidente, e precisa ser pautada. Fuller, historiador do século XVII dizia que “ O ódio é tão cego quanto o amor”. Então fica a questão: É ódio ou amor que está mantendo o relacionamento? “Camila” estava cega de ódio, e por isso ainda estava no relacionamento, ou o seu agressor, que com tanto ódio que sentia, independente do motivo, aniquilava aos poucos a vida que divide o mesmo teto?

A lembrança do silêncio  

Daquelas tardes, daquelas tardes  

Da vergonha do espelho  

Naquelas marcas, naquelas marcas

                Camila segue em silêncio, um silêncio causado pela vergonha de se olhar no espelho, de sair à rua. E este silêncio pode ser interpretado como uma busca pela justificativa das agressões sofridas, atitude ainda comum nos dias de hoje, onde mais de 70% das agressões domésticas não são denunciadas.

Havia algo de insano  

Naqueles olhos, olhos insanos  

Os olhos que passavam o dia  

A me vigiar, a me vigiar

A violência contra Camila não é causada somente por agressões físicas, mas também pelo olhar insano que a vigia durante o dia todo, de várias formas, aprisionando e condicionando a vítima a ceder e fazer somente o que lhe é imposto. A insanidade de quem já não sabe o que faz, mas mesmo assim o faz.

Camila, Camila, Camila...

E eu que tinha apenas 17 anos  

Baixava a minha cabeça pra tudo  

Era assim que as coisas aconteciam  

Era assim que eu via tudo acontecer

 

A submissão de um menor de idade, que aceita sua condição de submisso sem lutas, por não ter apoio, por não ter a quem recorrer. O sofrimento existiria de qualquer forma, sem apoio ao denunciar o agressor, ou sendo agredida e silêncio perante a sociedade. Camila optou por sofrer calada e de cabeça baixa.

Atualmente, a menina da música já sabe que a música foi escrita pra ela, e segundo o próprio Thedy “Hoje, ela vive super bem, tem uma linda família e está bem longe do antigo namorado... Ainda bem!”

 

 

 João Dalbosco. 23 anos, estudante de história, músico e amante da literatura.

 

 



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  • Autor: João Dalbosco
  • Imagens: Internet

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