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O INSTANTE MÁGICO

Data da Noticia 02/01/2024
O final do ano e, especialmente, o ritual do Ano Novo têm uma dinâmica especial.

O final do ano e, especialmente, o ritual do Ano Novo têm uma dinâmica especial. É um momento em que a sociabilidade se intensifica consideravelmente. Pessoas, mesmo desconhecidas, expressam votos de um bom início de ano, abraçam-se após os segundos mágicos da virada do ciclo, entre outras manifestações. No entanto, podemos nos perguntar sobre o que realmente acontece nessa festa tão singular.

Existe nessa celebração uma intersecção de fatores, mas o artista principal é o tempo, obviamente que o tempo da celebração esconde o tempo em devir do acontecimento. Os devires, afirmam Deleuze e Guattari, não têm a mesma temporalidade que a história.

A história se celebra.

O devir se vive.

Exatamente, as celebrações muitas vezes não coincidem com os momentos realmente cruciais da vida, aqueles em que atravessamos um limiar significativo. As comemorações têm a finalidade de relembrar algo que, de outra forma, poderia cair no esquecimento. No entanto, paradoxalmente, às vezes servem para nos fazer esquecer o que deveríamos lembrar. Essa discrepância ocorre porque as celebrações são geralmente eventos fixados no calendário, enquanto os verdadeiros limiares da vida são experiências individuais e únicas, podendo não se alinhar necessariamente com datas festivas pré-estabelecidas. As ocasiões mais impactantes em nossas vidas muitas vezes não ocorrem durante uma festividade agendada, mas em momentos que são pessoais, específicos e marcados por nossa própria jornada.

Entretanto o ano novo é uma festa de todos e de ninguém ao mesmo tempo, ou seja, todos festejam no mesmo patamar a festa não é direcionada a nenhum ser específico, isso torna o evento o mais libertário e o mais esperado do ano.

Vamos as devidas implicações?

Os romanos muitas vezes se inspiraram nos deuses gregos, atribuindo-lhes outros nomes, mas isso não se aplica a todos os casos. Jano, o deus romano do tempo, é uma exceção interessante. Ele representa os começos e os fins, as mudanças entre guerra e paz, a simbologia das portas e fechaduras e até mesmo a transição da vida selvagem para a civilizada. Em resumo, é o deus das transições, aquele instante crucial em que tudo se transforma, marcando a passagem de um estado para outro.

Sim, Jano é frequentemente representado como um deus de duas faces, uma jovem olhando para frente e outra idosa olhando para trás. Ele representa o ponto singular onde o passado e o futuro se encontram. É curioso, pois ele não personifica apenas a vida ou a morte, a semeadura ou a colheita, o começo ou o fim; ele está no meio. Ele simboliza um deus que não se encaixa em uma categoria ou na outra! No entanto, não se trata de um deus permanentemente em cima do muro; é mais uma questão de divisão, uma cisão, uma diferenciação. Jano interrompe o curso monótono do presente para colocá-lo em um novo lugar, como a estepe que subitamente desaparece dando lugar às areias do deserto.

Janeiro, o mês que representa Jano, é realmente apropriado. O ritual de passagem de ano, realizado de diferentes maneiras por todas as culturas, marca o momento em que todos deixam coletivamente o passado para trás, direcionando-se ao próximo ano. Nada parece mudar e, ao mesmo tempo, algo acontece, tudo se torna novo. Este é o momento das promessas, quando tudo está prestes a ser diferente. Cada acontecimento, seja grande ou pequeno, é acompanhado pela presença de Jano.

Os rituais culturais são excelentes exemplos de como representamos essa quebra no tempo. Seja a transformação de uma união amorosa em um casal realizada pelo padre, pastor ou autoridade eclesiástica; a transição do estado infantil para o adulto, determinada pela legislação; ou a mudança de inocente para culpado quando o juiz bate o martelo, todos esses são momentos de transformação marcado por rituais.

Jano representa o portal que precisamos atravessar para alcançar um novo lugar, um ponto de não retorno. Claro que estes rituais são invenções para o esgotamento que sempre sentimos, como se os rituais fossem momentos para entendermos que algo mudou, utilizando do poder do falso para criar novas perspectivas, e isso é simplesmente genial.

Esse movimento é perfeito para entendermos fortemente o ano novo, pois a ideia de que um segundo no meio de uma noite comum se transforma, por meio da contagem regressiva e pela generosidade do calendário, na alavanca para a chegada de novidades é algo um tanto mágico. Apesar de sabermos que a matéria-prima para a mudança permanece a mesma, a dobra que essa data simbólica oferece muitas vezes serve como um gatilho necessário para a transformação, ou seja, sem esse momento, a vida poderia parecer muito mais monótona e sem cor, por isso os fogos, bebidas e cores desta data para sinalizar que algo foi alterado.

Assim, a esperança e a magia associadas à virada do ano funcionam como um catalisador para a busca por renovação e novos começos, oferecendo um impulso vital para enfrentar desafios e buscar mudanças positivas em nossas vidas.

Viva o ano novo, viva o instante mágico, viva as revoluções invisíveis, viva aqueles que estão dispostos a realizarem outros nascimentos possíveis, viva a força que possuímos para girar junto com o mundo, em vez de sermos arrastados por ele.

Deixo um belo poema de Roberto Pompeu de Toledo, como presente de final de ano:

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra adiante vai ser diferente

 

 

Ricardo Nichetti - Professor e colunista estrangeiro   Ricardo Nichetti - Professor e colunista estrangeiro



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  • Autor: Professor Ricardo Nichetti
  • Imagens: Foto de DESIGNECOLOGIST na Unsplash

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